#020 - A velha e a nova obsessão pela experiência do usuário
Os desafios de desenvolver uma cultura de obsessão pelas pessoas que usam o seu produto ou serviço
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Não lembro mais exatamente quando surgiu o termo UX no Brasil. Me recordo que foi uma época de muita transformação na indústria. A grande preocupação no início era fazer com que os softwares fossem fáceis e simples de usar. As empresas não gastavam muita energia em construir experiências que fossem o grande fator de diferenciação.
Depois de quase 20 anos trabalhando com UX, sinto calafrios na espinha quando ouço a frase: o momento agora é se diferenciar pela experiência. Se a experiência faz diferença, porque deixamos ela de lado somente para colocar algo no mercado que talvez não gere resultado? Ainda existem empresas que "deixam a experiência para depois", imaginando que isso pode ser corrigido mais a frente. Nem sempre ser o primeiro é uma vantagem competitiva.
Experiência é aquilo que as pessoas vivem, se relacionam e percebem de uma marca. Se as pessoas experimentam o seu produto agora, é agora que elas vão ter uma opinião sobre a sua marca e, sobretudo, sua intenção. Isso vai fazer com que elas deem oportunidades de experimentar novos produtos. Se a experiência não for boa, dificilmente você recuperará a confiança das pessoas.
Acho bastante estranho pensar na experiência do cliente separada dos objetivos de negócio. A obsessão pelo cliente deve existir a partir do momento inicial em que você pensa em um produto ou serviço. Porque, no final do dia, é ele que vai validar se o seu serviço é bom e vai recomendar para outras pessoas. Lembre-se: o ser humano tem mais energia de falar mal do que bem de uma marca ou pessoa.
“Put the user first and all else will follow” - Google
Como criar uma cultura focada no cliente?
Não é tão simples criar uma cultura focada no cliente. Em alguns momentos, vai faltar habilidade e ferramentas para isso acontecer. Principalmente quando as empresas estão nascendo. O elemento principal para se criar uma cultura no cliente é entender os problemas que acontecem durante a jornada de contratação de um serviço ou produto. É entender aquilo que ele deseja fazer no final do dia.
É fundamental que a empresa tenha uma cultura de dados para que os times possam trabalhar em cima das informações corretas. Os dados servem como uma bússola para a tomada de decisão. Também é importante que as pessoas saibam interpretar os dados de forma correta. Acredito que os dados informam e embasam a decisão dos times de produto. Não deve servir como muleta para a tomada de decisão. Lembrando que os dados informam o que está acontecendo, e não o porquê de estar acontecendo.
Outro desafio de criar uma cultura focada no cliente é fazer com que os times consigam fazer boas perguntas para gerar grandes hipóteses sobre os problemas. Será que estou resolvendo o problema correto? É a pergunta de milhão de dólares. A pergunta correta gera visões e ideias poderosas para os problemas, e melhor ainda diminui o viés que normalmente existe dentro das empresas. Assim, você consegue se livrar do pensamento: eu sei o que o cliente precisa. O exercício e a preocupação de fazer a pergunta correta devem ser praticados diariamente pelos times de desenvolvimento de produto e negócios.
"Tendemos a projetar a nossa racionalidade e nossas crenças na racionalidade e nas crenças dos outros" - Don Norman, The Design of Everyday Things
Entender as necessidades das pessoas não é tão simples. Existem diversos frameworks que podem ajudar. As empresas podem usar personas, modelos mentais ou jobs to be done. O mais importante é que os times saibam para quais clientes estão criando uma determinada funcionalidade. Criar empatia e entender profundamente as dores das pessoas por meio de informações quantitativas e qualitativas ajudam nas melhores tomadas de decisão dentro da empresa. Se os times não conseguem entender para quais clientes estão projetando algo, dificilmente conseguirão fazer algo que gera valor.
O ser humano é complexo e por isso temos que estudá-los constantemente. Quando fiz um projeto para Smiles, por volta de 2021, durante o processo de pesquisa, descobrimos que o mesmo cliente se comportava completamente diferente em viagens de férias, a trabalho e com um grupo de amigos. Talvez seja por causa desse comportamento que a Airbnb criou uma funcionalidade que facilita a programação de viagem em grupo.
Existem diversas práticas para colocar o cliente no centro das decisões. Esse artigo explica no detalhe como podemos usá-los. O simples fato de criar o hábito de conversar naturalmente com nossos clientes ajuda a estabelecer uma dinâmica de empatia e visão obcecada pelas pessoas que vão usar aquilo que estamos desenhando. Esse comportamento contribui para podermos defender os usuários nas revisões de designs e decisões de backlog do trimestre ou semestre. Diminui o achismo e aumenta a consciência de que estamos fazendo aquilo para um grupo de pessoas com um determinado comportamento.
A experiência do cliente acontece em todos os pontos de contato com uma marca. Então, é responsabilidade de toda empresa se preocupar com isso. Desde o roteiro de atendimento no telefone até a qualidade do conteúdo do e-mail que a pessoa recebe após contratar um serviço ou comprar um produto.
Criar uma cultura obsessiva pelo cliente exige muito mais do que colocar o usuário no centro através do discurso. Precisa fazer parte do DNA da empresa e tem que ser além da intenção, com práticas constantes. Não vale a desculpa de que não temos tempo ou ferramenta para fazer. Já se perguntou, quanta diferença faria se tivesse o hábito de ouvir um cliente pelo menos uma vez na semana?
Times de design e produto são os grandes responsáveis por criar uma cultura centrada no cliente. Eles são os maiores advogados das pessoas, mas dificilmente será natural se o restante da empresa tratar isso como perda de tempo. É preciso advogar pelo cliente para dentro e para fora do time. É fundamental deixar claro e usar no discurso como as soluções propostas resolvem efetivamente o problema dos clientes. Falar menos sobre técnica de design ou produto e mais sobre resolução de problemas.
A cultura focada no cliente também demanda muita colaboração e franqueza nas discussões. As pessoas não podem ter medo de trazer a opinião. É importante o incentivo para que as discussões sejam feitas sempre em cima das dores dos clientes e menos em gosto pessoal. Com isso, conseguimos eliminar algumas críticas que não contribuem para a evolução de uma entrega. Eliminamos a cultura do eu acho, eu gosto, ficou feio, etc. As pessoas começam a olhar se a solução resolve o problema do usuário com base na perspectiva que foi apresentada.
Como falei no início, mas vale repetir, a cultura obcecada pelo cliente não é só responsabilidade do time de desenvolvimento de produto. Toda empresa precisa ter esse olhar, inclusive com clientes internos e parceiros. Se a preocupação com o cliente for verdadeira e prática, com certeza o resultado virá e irão recomendar a marca ou o serviço. Por isso, da próxima vez, pense bastante antes de cortar um tempo precioso com o cliente no seu processo de trabalho. Não deixe para depois. O resultado pode ser muito ruim e talvez seja um caminho sem volta.