Meu pai trabalhou como pedreiro e mestre de obras por muito tempo. Mesmo sem saber ler e escrever, conseguia construir uma casa apenas com uma planta na mão. Talvez seja por isso que me interessei pela arquitetura antes de conhecer o design. Meu pai, infelizmente, teve que abandonar a profissão devido à alergia ao cimento.
Sempre havia uma obra em casa durante a minha infância. Olhando para trás, pergunto se minha mãe queria aproveitar as habilidades do meu pai para deixar a casa mais confortável ou se as mudanças eram apenas oportunidades para gerar conflito entre eles.
Passei minha infância sentindo cheiro de cimento e obras ao redor. Cheguei a decidir que nunca compraria um terreno para construir uma residência ou até mesmo reformar um apartamento. Meu pai dizia que eu não trabalharia em construções porque tinha as mãos muito macias. Ele estava certo o tempo inteiro. Meus irmãos, provavelmente influenciados pelo meu pai, aprenderam o ofício e são capazes de construir uma casa.
O tempo passou e escolhi trabalhar com design e tecnologia. É muito mais fácil lidar com mouse, teclado e pessoas do que com cimento. Pelo menos pra mim. Em design, estamos o tempo todo construindo algo que outras pessoas vão usar. Precisamos conhecer as dores e necessidades das pessoas que vão usar a nossa aplicação para fazer algo que faça sentido. Precisamos entender profundamente onde o negócio quer chegar.
Em projetos de tecnologia, precisamos de diversas especialidades para desenvolver um projeto. Não é diferente na construção de um edifício. Pessoas de diferentes especialidades precisam trabalhar juntas para o projeto fazer sentido para as famílias que vão morar na construção.
Moro em São Paulo e vejo obras por todo o lado. Casas são transformadas em prédios onde milhares de pessoas vão morar em breve.
Quando acordo de manhã, costumo ir à varanda com um café na mão e observo a obra na frente do meu prédio tomando forma. Em alguns dias, chego a acordar com barulho de pessoas trabalhando e aquele cheiro de cimento que lembra minha infância. Parece que a obra não sai de mim. Tento entender o momento atual da obra e os próximos passos. Tento entender a lógica da arquitetura pensada por um arquiteto. Penso na relação de todas as pessoas que trabalham para criar espaços onde famílias formarão suas histórias.
Fico me perguntando se os pedreiros, mestres de obra e outras especialidades conseguem compreender a importância do trabalho deles. Será que pensam nas pessoas que vão construir suas famílias lá? Acordam empolgadas com o que dia que vem pela frente? Sabem lidar bem com a pressão, trabalhar no sábado ou têm medo que aconteça algum acidente de trabalho?
Somente em 2023, o Brasil registrou 2.888 mortes relacionadas a acidentes de trabalho, com o setor da construção civil. Além disso, houve quase 500 mil acidentes de trabalho no país. Isso mostra que trabalhar em construção civil tem os seus riscos de vida.
Do outro lado, também fico pensando se as pessoas que compram um apartamento pensam em como ele vai ser construído. Se os trabalhadores têm boas condições de trabalho e segurança. Talvez eu esteja romantizando demais uma relação empática de quem constroi com quem usa. Nem tenho a pretensão de concluir algo super genial. Apenas uma epifania entre passado, presente e futuro.
Lendo, ouvindo, assistindo, observando
Buy Back Your Time: Get Unstuck, Reclaim Your Freedom, and Build Your Empire
Gosto de entender se estou fazendo o melhor uso do meu tempo. Neste livro, aprendi ainda mais sobre como me organizar melhor entre as coisas que preciso, gosto de fazer e consigo gerar mais resultado para a empresa, meus líderes, liderados e pares.
Sergio Rodrigues em Brasília 1956-1981
Costumo frequentar bastante a livraria Travessa da Rua Pinheiros, em São Paulo. Todas as vezes que entro lá, saio com muitos livros na mão. Na última vez que fui à Travessa, comprei e comecei a ler este livro que mostra a importância do designer Sérgio Rodrigues para a evolução do mobiliário de Brasília. Ele foi responsável pela ambientação dos principais espaços da fundação de Brasília.
Collective Genius: The Art and Practice of Leading Innovation
Uma análise bem leve e inteligente de como as pessoas conseguem criar um ambiente de criatividade e colaboração ao mesmo tempo. Os autores mergulham em algumas empresas que conseguem inovar em meio a velocidade de crescimento que elas precisam enfrentar.
Lenny's Podcast - Embracing chaos - Vlad Loktev
Nem sempre um pouco de caos e improviso é negativo. Neste podcast, Vlad fala sobre a importância de abraçar o caos visando estimular a criatividade, improvisação e inovação. Vlad passou mais de 10 anos no Airbnb e também compartilha importantes aprendizados na convivência com Brian Chesky, CEO da empresa.
Together: Treble Winners
Esta série, produzida pela Netflix, tem um pouco de tudo que gosto. A série mostra a história de sucesso do Manchester City na temporada de 2022. O time conquistou os três títulos mais importantes que um clube pode vencer em seu país e na Europa. Além de contar a história da tríplice coroa, a série também mostra alguns traços do estilo de liderança do Pep Guardiola, pra mim o melhor treinador da nossa história mais recente.
Boa sinapse. Eu tenho pensado muito numa frase que o Nicolelis falou. Que o nosso cérebro é uma máquina incrível de transpor dimensões.
O caso do seu pai, por exemplo, pega algo em 2 dimensões e tem a capacidade de manifestar aquilo em 3 dimensões.
E ai é interessante pensar que o digital é uma camada também em 2 dimensões, né? Mas a possibilidade de coisas que podem acontecer ali é talvez tão infinita quanto o universo físico. Então é uma transposição muito complexa de se fazer também.
No fim acho que vc e seu pai acabaram na mesma profissão. :)
Gosto dessa reflexão e gostaria de trazer um ponto. Nós, designers, temos o maior conforto do mundo; nosso trabalho acontece no virtual, utilizando software para projetar. No entanto, poucos refletem sobre como nossos produtos afetam os hábitos, contexto socio-cultural e a cognição das pessoas.
O cliente que compra um apartamento, muitas vezes leigo, não se interessa pelas questões que você levantou. Às vezes, a construtora esconde essas informações ou as considera irrelevantes. Por outro lado, se a casa for para clientes de classe alta, o cliente tende a destacar o tipo de material utilizado, como forma de persuadir, dizendo: “Olha, esta casa usa material sustentável que consome menos energia." Estamos usando tal método de segurança. Pessoas mais educadas tendem a se preocupar mais com essas questões.