Sempre me considerei um generalista, apesar de ter sido um pouco diferente nos primeiros anos de minha carreira, quando me dediquei mais à parte funcional do design. Estudei bastante arquitetura de informação e usabilidade. Devorei tudo que estava ligado aos aspectos técnicos de UX, com evidência no Brasil.
Comecei a perceber que ser uma pessoa generalista seria extremamente relevante quando fui trabalhar na Huge, no Rio de Janeiro. Na Huge não bastava saber ótimo em arquitetura de informação. Eu precisava ter um domínio maior em estratégia, pesquisa e design de interface. Os meus wireframes com quadrados sem significados não faziam mais sentido. Eu precisava aprender novas habilidades para fazer parte daquele time. A barra era alta e eu não seria respeitado se não aumentasse o meu repertório técnico.
Já na Accenture, e agora na Avenue, minhas fases mais recentes, procurei evoluir o meu conhecimento de negócio para tentar conectar com design. Atualmente lidero disciplinas de produto e design, estando lado a lado do time de engenharia. O que eu acredito ser bem relevante para quem deseja ser uma pessoa generalista.
Em um momento em que AI está se tornando mais presente em nossas vidas, fica evidente que a capacidade de conhecer mais atividades é muito grande. Será cada vez mais importante que tenhamos a habilidade de conectar diversas pontas para podermos gerar valor.
Sempre terá espaço para os especialistas. A NVIDIA cresceu bastante nos últimos anos porque conseguiu identificar os talentos corretos para contribuir na evolução do que estamos vivendo agora com AI. A empresa OpenAI também nasceu e se desenvolveu porque tinha uma especialidade única.
A colaboração é e será sempre muito importante no desenvolvimento de produtos. São designers, product managers, engenheiros, ux writers trabalhando lado a lado para encontrar as melhores soluções. Quanto mais conhecimentos transversais essas pessoas tiverem, melhor.
John Maeda acredita em algumas habilidades super importantes que reforçam esse pensamento generalista que estou tentando trazer aqui. Entre as habilidades citadas por ele neste artigo, três estão bem conectadas com o que eu acredito serem importantes: curiosidade, criatividade e resiliência.
Curiosidade — as pessoas generalistas são curiosas por natureza. É menos sobre ser especialista em um tema e conhecer diversos assuntos relacionados ao tema principal de interesse. E a curiosidade é o combustível que alimenta a criatividade e traz pontos de vista diferentes para os problemas.
Criatividade — criatividade não é sobre fazer algo totalmente novo; é sobre explorar formas diferentes de resolver um problema. Novas maneiras de pensar sem se preocupar com as limitações que temos no presente. É sobre ter tempo pra pensar. Boas ideias simplesmente não nascem em ambientes de constante pressão.
Resiliência — pessoas mais generalistas são mais resilientes e empáticas e por isso tendem a sofrer menos com constantes mudanças de contextos porque conseguem ter uma visão mais ampla dos problemas.
Está mais evidente que a AI vai gerar mais capacidade especialista que pode ser replicada em larga escala. Precisamos que as pessoas tenham a habilidade de fazer perguntas e conectar diversas jornadas.
A ideia de ser generalista não é ficar bom em tudo, mas ter fluência necessária que facilita e contribui para a construção de bons resultados. Claro que entraremos em discussões mais profundas como: será que designers precisam saber programar ou escrever bem? Gosto e sempre gostei de pensar que podemos tentar chegar perto dos unicórnios. Dessa forma, teremos sempre o nosso espaço na mesa.
A empresa Vercel trouxe um conceito Design Engineer para discussão. Inclusive estão com vagas abertas nesta função. É um novo cargo que está ganhando espaço no mercado. A expectativa sobre um software de qualidade nunca foi tão alta. A Vercel acredita que a pessoa Design Engineer pode ser a solução para isso.
Ainda teremos o desafio de encontrar espaço para as pessoas generalistas conseguirem ter visibilidade de crescimento nas empresas. Uma pesquisa aponta que 56% dos generalistas acreditam não ter um plano de carreira claro para eles, com 35% se sentindo excluídos de promoções. Já os especialistas têm um movimento de carreira mais claro e mais detalhado.
É fato que o mercado mudou bastante nos últimos 5 anos, principalmente. Tivemos pandemia, empresas contratando e depois demitindo em massa. Nasceram também milhares de cursos prometendo uma vaga em design num estalar de dedos. As oportunidades cresceram e muita gente entrou nessa onda.
Agora estamos vivendo uma realidade um pouco diferente. Claro que entrou muita gente boa e capaz de fazer um bom trabalho. Ainda teremos espaços para quem decidiu ficar ótimo em apenas uma coisa. Mas a realidade de momento, entendendo que AI pode trazer benefícios, uma pessoa generalista terá ainda mais espaço. Principalmente aquelas pessoas que não se rotulam apenas com uma função. Aquelas pessoas que querem fazer um bom produto e conseguem dialogar com atividades pares naturalmente porque são curiosas, criativas e principalmente resilientes.
Referências + notas
O que estou lendo, ouvindo, assistindo e observando por aí.
The rise of generalists
Pesquisa que mostra a realidade de mercado, principalmente com as mudanças que ocorrem após a pandemia.
Design Engineering at Vercel
Descrição mais detalhada da vaga do que a Vercel espera de uma pessoa Design Engineer.
The generalist renaissance
Reflexões sobre o renascimento da pessoa generalista.
Embracing the Hybrid Path: Reflections on Creativity, Career, and Resilience
John Maeda faz algumas reflexões muito importantes sobre os caminhos híbridos que podemos adotar em nossas carreiras. Ele explora alguns comportamentos super importantes que também trouxe nesta seção.
The rise of generalist
A capacidade de conectar as pontas é cada vez mais importante uma vez que a AI consegue lidar com tarefas especializadas.
O Olhar para o extraordinário
O que podemos aprender sobre experiência, quando estamos olhando para o mercado de luxo focado em alta renda no Brasil? Neste livro, é possível entender um pouco melhor como o mercado de luxo funciona no Brasil e como as boas práticas de atendimento, relacionamento e experiência podem ser aplicadas em outros segmentos.
Running with the mind of meditation
Muitas pessoas encaram a corrida como uma forma de meditação. Enquanto a corrida é fundamental para o corpo, a meditação é importante pra mente. Neste livro, o auto Sakyong Mipham Rinpoche, aprofunda a relação entre a corrida e meditação. Estou no início, mas gostando bastante.
Ser generalista tem seus prós e contras. Eu acredito que alguns momentos na carreira é importante ser especialista para não ter que carregar o peso todo sozinho.